Condenação

Meu corpo está desgastado. Como um arame retorcido pelo trabalho do tempo, corroído pela maresia, ressequido pelo sol.
Sem água, sem descanso, como algo deixado para que o tempo o consumisse por completo. Consumido por completo! Assim me sinto hoje.
Mas nem sempre fui assim. Houve época, há muito tempo, em que a juventude corria à solta em minhas veias. Onde eu pudera fazer tudo, revolucionar com minhas idéias, aprender com aqueles cuja sabedoria de outrora hoje nem em relatos residem; pudera me sentar quando estivesse cansado (enquanto hoje me canso pelo simples fato de descansar). Que bons tempos aqueles cuja lembrança me vem à mente como imagens refletidas por espelhos em que a prata de tão embaçada, marcada pela ferrugem, mal consegue definir as formas de algo que não voltaria.
A simples espera do ‘por vir’ me cansa e consome todo o tempo, que parece se arrastar quando não se pode fazer nada. A maior parte do tempo eu passo deitado, reclinado em uma cadeira, só, sem falar com uma pessoa sequer, pois essas pessoas que antes buscavam as minhas palavras e conselhos, hoje me ignoram por completo. A sabedoria de uma vida é totalmente desprezada pelo simples fato da natureza ter me dado vários dias.
Quando jovem eu ansiava por descanso. Por um tempo para dedicar-me ao pensar, saber os motivos das coisas, mas hoje, quando se passam vários dias trancafiados em um quarto escuro (pois não há luz capaz de iluminar a cegueira da idade) você já não tem mais tantos assuntos ou dúvidas com as quais deve dedicar o pensamento.
Escuto passos em algumas horas do dia, que tento deduzir, mas não escuto uma voz sequer falando comigo. Sou ignorado na maior parte das vezes. Existe alguém de coração nobre ao ponto de querer passar um tempo com um velho?
Minha vergonha é revelada àqueles que me fazem o favor de limpar meu corpo. Não tenho escolha, simplesmente tenho que aceitar os toques, indelicados, sem cuidados, dessas pessoas. A água, muitas vezes em temperatura agressiva para os meus ossos, que tremem de dor, corta a minha pele como um rio de agulhas, marcando, gastando, cortando.
Estou farto dos meus dias, já vivo aqui há muito tempo! Até o pensar me cansa. Sozinho, no escuro. Sem vozes, apenas passos em um corredor. Apenas espero o dia do cumprimento da minha sentença maior. Nenhuma pena é tão dura quanto viver por tanto tempo quando se merece a morte.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Onde foi parar aquilo que nos fora ensinado outrora?

Ensaio sobre a depressão

Está bem próximo!